Páginas

terça-feira, 31 de maio de 2011

Antiga casa que ainda moro...

Hoje quero retornar aquela casa, que fica no centro da cidade, no centro da minha dor maior. Quero entrar, abrir as portas, as janelas, rasgar as cortinas. Quero percorrer todos os espaços sombrios e frios que lá existem. Silenciar os gritos abafados e sanar toda loucura. Quero encarar os fantasmas que saem das paredes rachadas. Desligar o rádio antigo que não pára de tocar as canções de lamento. Ajustar a tv num canal de desenho animado, mudar o filme de terror que passa com chuviscos de uma imagem cravada na retina.
Vou no quintal, rever o balanço no pé de serigüela, imagem embaçada e distorcida de frutas doces caídas e pisadas no chão.
Mas quero mesmo é chegar naquele quarto onde está uma criança, com tanto medo, ouvindo ecos na rua, a vejo no centro cama e em posição fetal, querendo apenas se desmaterializar naquele instante. Quero olhá-la e entender todo aquele pânico, depois pegá-la, abraçá-la e dizer: estou aqui, vou te levar a um lugar seguro, onde você vai crescer e ficar forte para correr, gritar e se defender de tudo o que te oprime e te encarcera. Vamos!
Na saída, me vejo naquele espelho marcado pelo tempo, que quase não me deixa ver a minha própria imagem refletida, onde percebo que não carrego nenhuma criança no colo, vejo também que aquela criança hoje é uma mulher, que precisa enterrar o passado e dizer a ela mesma: estou num lugar seguro, agora cresci, sou forte, posso correr, gritar e me defender de tudo que me oprime, posso e vou enfrentar o medo. Vou deixar aquela criança cantar cirandas, mas apenas numa vaga lembrança de 30 anos atrás.
Escolho ficar com as boas lembranças, como o cheirinho do café e as cantigas de minha mãe enquanto varria o quintal.
Hoje eu quero me mudar, sair dessa casa, ela nunca foi minha, vou fechar a porta e seguir o meu caminho, continuar escrevendo a minha história sem olhar para trás.
Jacinta Duarte

Nenhum comentário:

Postar um comentário