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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A felicidade é uma mulher pequenina que dorme no quarto ao lado

O amor vai chegar assim, de manso, mas com o passo forte e a potência de um jato varrendo a craca dos rancores, a sujeira grossa dos maus pensamentos, a gordura acumulada das chateações diárias, da burrice, da inveja, da grosseria. Virá com a força mesma da vida, desobstruindo os canais da memória entupidos de morte. Virá alegre como o cão que reencontra o dono depois da eternidade de um dia inteiro sozinho em casa, à espera.

E então as preocupações ordinárias e mesquinhas farão as malas e deixarão os corações livres para viver em absoluto estado de ocupação plena pelas intenções e ações de um amor generoso, diário e vital.

Esse amor que acorda cedo e faz ginástica, que parece tão mais jovem do que de fato é, esse amor vai pintar as paredes da casa, mudar a posição dos móveis, vai matar a sede e a fome que restam, soltar os passarinhos de suas gaiolas ridículas, vai cuidar da horta no quintal e presentear os vizinhos com as verduras frescas. Esse amor vai florescer e perdurar e se esparramar pelas redondezas. Vai levar ao passeio diário os cachorros que vivem dentro de cada um de nós. Esse amor vai invadir em paz a nossa vida tão talhada para a guerra.

E quando as forças armadas de um coração já machucado se levantarem em defesa natural de sua estrutura, em puro e simples movimento de autopreservação, o amor estenderá sua mão pequena e linda, de unhas roídas e sem nenhum esmalte, e todas as armas cairão em silêncio. Então esse coração abrirá suas fronteiras à chegada irrefreável do encantamento amoroso e total, explosão de energia que nos leva ao encontro de quem somos, nos resgata da morte e nos devolve, sãos e salvos, à vida que é hoje, amanhã e depois um longo e eterno agora.
Ilustração: Elena Romanova

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